Ainda faltavam 15 minutos para terminar o Dia Internacional da Mulher, 8 de março, quando Margareth Menezes pisou ontem no palco do Circo Voador para fazer o primeiro show solo na cidade do Rio de Janeiro desde que assumiu o cargo de Ministra da Cultura do terceiro mandato de Lula como presidente do Brasil.
“Ministra! Ministra!”, saudou o público após a cantora baiana ter feito o público da pista e da arquibancada do Circo Voador pular ao som do samba-reggae Faraó (Divindade do Egito) (Luciano Gomes, 1987), “obra de arte” do repertório afro-pop-brasileiro – como a artista caracterizou em cena a música que gravou em 1987 e que nunca mais deixou de cantar desde então.
Faraó foi cantada logo no terceiro número do show, após o reggae Alegria da cidade (Lazzo Matumbi e Jorge Portugal, 1988). Mas o refrão contagiante, inebriante, foi repetido no bis, quando a artista deu voz a Uma história de Ifá (Elegibô) (Ythamar Tropicália e Rey Zulu, 1987) – outro samba-reggae que constitui pedra fundamental na discografia de Margareth Menezes e no cancioneiro da música afro-pop-baiana rotulada no mercado e na mídia como axé music.
Na sequência do bis, Maga cantou de improviso sambas-reggaes como Alfabeto do negão (Ythamar Tropicália e Rey Zulu, 1987) e Madagascar Olodum (Rey Zulu, 1987), petardo disparado pelo grupo afro Olodum e amplificado pela Banda Reflexu's no mesmo ano de 1987 em que a cantora gravou Faraó com Djalma Oliveira.
Desde que decidiu se lançar como cantora em 1986, Margareth Menezes alternou altos e baixos na trajetória artística, mas se impôs como a voz mais calorosa do universo da axé music, música que a artista caracteriza como afro pop.
A fervura do canto foi reiterada no show do Circo Voador entre os recorrentes coros de “Ministra! Ministra!”, ouvidos ao longo da apresentação de cerca de uma hora e meia.
Havia aura especial sob a lona pop carioca. Afinal, embora Margareth Menezes já tivesse participado de show do grupo Awurê em março do ano passado e tivesse dividido o palco com Luedji Luna em agosto no festival carioca Doce maravilha, a apresentação no Circo foi o primeiro show solo da cantora na cidade do Rio de Janeiro (RJ) desde que foi empossada Ministra da Cultura em janeiro de 2023 (o anúncio do nome da artista para o cargo político foi feito em 22 de dezembro de 2022).
De muleta, por conta de problema de locomoção que vem sendo tratado com fisioterapia, a cantora transitou por músicas emblemáticas da obra fonográfica e fez boas incursões por repertórios alheios.
Margareth Menezes tomou Banho de folhas (Luedji Luna, 2017) para si, fez brotar Capim Guiné (Russo Passapusso, Seko Bass e Titica, 2017) na velocidade da gravação feita pela cantora há seis anos com a banda BaianaSystem, botou pressão na cadência pop do ijexá Toda menina baiana (Gilberto Gil, 1979), navegou nas águas de É d'Oxum (Gerônimo e Vevé Calazans, 1985) – pérola do cancioneiro afro-pop revivida por Maga com a vocalista Karyne Rosselle – e encarou Sina (Djavan, 1982) na pulsação do reggae.
Um solo da guitarra de Raoni Maciel sobressaiu no hit tribalista Passe em casa (Arnaldo Antunes, Carlinhos Brown, Marisa Monte e Margareth Menezes, 2002). Contudo, a pressão do show veio mesmo da percussão de Elber Mário, da bateria de Tito Oliveira (diretor musical e arranjador da cantora) e dos efeitos, beats e programações de Caio Oliveira.
Sem querer impressionar, Margareth Menezes comandou a massa com show simples e eficiente, dando o recado político de Marmelada (Bas moin laia) (George Decimmus em versão em português de Vilator Valakia, 1990) – “Marmelada / Tô comendo nada”, macetou no refrão – entre uma ou outra surpresa, como Vou mandar (Fôca, 1993), música que abriu o quarto álbum da artista, Luz dourada (1993), disco que encerrou a passagem da cantora pela gravadora Polydor / PolyGram no potente início da carreira fonográfica.
Momentaneamente fora do trilho afro-pop-baiano, Margareth passou a mensagem positivista do samba Tá escrito (Xande de Pilares, Carlinhos Madureira e Gilson Bernini, 2009) em número que surtiu efeito.
De toda forma, o Circo Voador foi o lugar onde o Rio foi mais baiano no início da madrugada deste sábado, 9 de março. a cantora estava em casa quando espalhou Vento sã (Margareth Menezes, 2019), saudou Iansã com Oyá por nós (Daniela Mercury e Margareth Menezes, 2019) e eletrizou o público ao reviver Dandalunda (Carlinhos Brown, 2001) e Toté de Maiangá (Saul Barbosa e Gerônimo, 2003) como se estivesse puxando um trio na Praça Castro Alves, no centro histórico de Salvador (BA).
A propósito, medley folião com quatro frevos – Frevo mulher (Zé Ramalho, 1979), Cometa mambembe (Carlos Pitta e Edmundo Carôso, 1983), Banho de cheiro (Carlos Fernando, 1983) e Chame gente (Moraes Moreira e Armandinho Macedo, 1985) – fez a pista do Circo Voador parecer o chão da praça.
Momentos antes, até quem não acredita na força da música afro-baiana deve ter se convertido quando a cantora propagou Milagres do povo (Caetano Veloso, 1985) com a habitual energia e calor.
E foi assim, em “ambiente gostoso” regido por “força boa”, como a cantora celebrou em cena, que Margareth Menezes desceu a rampa como Ministra da Cultura – vinda de voo de Brasília (DF) para pousar direto no Rio de Janeiro (RJ) a tempo de apresentar o show – e subiu como cantora ao palco do Circo Voador para fazer a alegria da cidade com o som da Bahia preta.