Quando ainda estava no Kid Abelha, Paula Toller iniciou paralela discografia solo que rendeu ao menos um grande álbum, SóNós (2007). Curiosamente, após o encerramento das atividades do grupo carioca em 2013 (fim anunciado oficialmente apenas em 2016), a artista nunca mais lançou disco ou ao menos um single relevante.
A rigor, Paula Toller segue em cena com casas cheias porque lança mão do manancial de irresistíveis sucessos do Kid Abelha. Essa dependência ficou evidente quando a cantora e compositora caiu na estrada e percorreu o Brasil com a turnê Como eu quero! entre 2017 e 2019, reeditando as boas vibrações das apresentações do Kid.
Feito sob direção musical de Liminha, o corrente show da artista, Amorosa (2023 / 2024), também segue a fórmula pop dos hits da banda formada em 1981 e impulsionada a partir de 1983.
Com Liminha ao violão, nos arranjos e na liderança da banda formada por Gustavo Camardella (violão e vocal), Pedro Dias (baixo e vocal), Gê Fonseca (teclados e vocal) e Adal Fonseca (bateria), Paula Toller voltou com a turnê Amorosa à cidade natal do Rio de Janeiro (RJ) neste fim de semana para fazer o registro audiovisual do show em duas apresentações na casa Vivo Rio.
Na sexta-feira, 26 de janeiro, a convidada de Paula foi a contemporânea Fernanda Abreu, com quem a anfitriã reviveu a canção soul Na rua, na chuva, na fazenda (Hyldon, 1973) – regravada pelo Kid Abelha no álbum Meu mundo gira em torno de você (1996) – em abordagem pop que tangenciou a cadência do reggae.
Na noite de ontem, 27 de janeiro, Paula recebeu no palco do Vivo Rio Roberto Menescal e uma das cantoras mais populares dos atuais anos 2020, Luísa Sonza, com quem cantou Nada sei (Apneia) (Paula Toller e George Israel, 2002).
O roteiro do show Amorosa se escorou no repertório do Kid Abelha e todo o efeito surtido na plateia foi com os hits dessa banda injustamente minimizada pela crítica dos anos 1980 por fazer o pop perfeito. Isso ficou claro desde a abertura do show com Fixação (Beni Borja, Leoni e Paula Toller, 1984) até o bloco final que culminou em momento festivo com os dois hits seminais do Kid Abelha – Por que não eu? (Leoni, Paula Toller e Herbert Vianna, 1983) e Pintura íntima (Leoni e Paula Toller, 1983) – após as lembranças acústicas e menos óbvias de Todo meu ouro (Paula Toller, George Israel, Bruno Fortunato e Lui Farias, 1989) e Maio (Paula Toller e George Israel, 1998).
Nem a justa e legítima homenagem a Rita Lee (1947 – 2023) – com Agora só falta você (Rita Lee e Luiz Carlini, 1975), rock da fase Tutti Frutti da Ovelha Negra – entusiasmou tanto quanto aquelas músicas eternamente deliciosas e adolescentes como A fórmula do amor (Leoni e Leo Jaime, 1985) e Educação sentimental II (Leoni, Paula Toller e Herbert Vianna, 1985), petardos infalíveis do cancioneiro de Leoni, integrante da formação original do Kid Abelha e compositor fundamental na fase inicial da banda.
O que mudou eventualmente foi a pegada de uma ou outra música. Lágrimas e chuva (Leoni, George Israel e Bruno Fortunato, 1985), por exemplo, caiu em tom mais folk, com violões em primeiro plano.
Aos 61 anos, Paula Toller pareceu cada vez mais bonita em cena. E também reiterou a evolução vocal ao longo desses 40 anos de sucesso. Sim, o show Amorosa foi criado para celebrar as quatro décadas de carreira de Paula Toller – efeméride enfatizada pela artista no palco da casa Vivo Rio.
Esse propósito legitimou o roteiro retrospectivo, sem ousadias ou avanços, e recheado com os mesmos hits da turnê anterior Como eu quero! – casos de Nada por mim (Paula Toller e Herbert Vianna, 1985) e No seu lugar (Paula Toller, George Israel e Lui Faria, 1991), entre muitos outros possíveis exemplos, sendo que a canção Nada por mim ganhou o toque de Roberto Menescal no segundo dia de gravação do show.
Houve, sim, charme quando os músicos da banda solaram Os outros (Leoni, 1985) e À noite sonhei contigo (Kevin Johansen em versão em português de Paula Toller, 2007), a grande canção do melhor disco solo de Paula, o já mencionado SóNós.
Em contrapartida, houve momentos mornos. A recriação em clima de samba-rock do funk Não vou ficar (Tim Maia, 1969) – lançado por Roberto Carlos e (bem) regravado pelo Kid Abelha no álbum Tudo é permitido (1991) – surtiu efeito moderado.
Já músicas como Calmaí (Paula Toller e Liminha, 2014), Eu amo brilhar (Paula Toller e Gustavo Camardella, 2020) – esta com tentativa forçada da artista de fazer o público dançar – e Perguntas (Beni Borja, 2022) provocaram certa apatia, até compreensível. Porque, afinal, e mal nenhum há nisso, todo mundo estava ali para ouvir Paula Toller cantar os hits do Kid Abelha.
Ciente disso, a cantora fez o que público queria e reciclou a fórmula pop do grupo em roteiro generoso que incluiu Alice (Não me escreva aquela carta de amor) (Leoni, Paula Toller e Bruno Fortunato, 1984), Eu tive um sonho (Paula Toller e George Israel, 1993) e Te amo pra sempre (Paula Toller e George Israel, 1996), além, claro, de Como eu quero (Paula Toller e Leoni, 1984), balada revivida com balões iluminados pelos celulares da plateia em efeito visual que evidenciou o caráter amoroso do saudoso público do Kid, para sempre súdito da Abelha Rainha do pop nacional.