A gravação de Meu mundo e nada mais feita por Alaíde Costa com Guilherme Arantes – autor dessa bela balada triste composta em 1969 e lançada em 1976 como marco zero da carreira solo de Arantes – é o tipo de single que, embora não tenha razão de ser, existe, é bonito e dever ser louvado por existir.
Single avulso, dissociado de álbum, Meu mundo e nada mais chega ao universo digital amanhã, 19 de fevereiro, com capa que expõe os artistas em ilustração de Camilo Solano e com registro afetuoso que une grande cantora com compositor da mesma dimensão.
Arantes canta sozinho somente uma estrofe da canção e, no fim, une a voz à de Alaíde em dueto terno. Do ponto de vista vocal, o single Meu mundo e nada mais é quase um solo de Alaíde Costa. No todo, trata-se de legítimo dueto porque o piano de Arantes é o único instrumento do fonograma produzido por Marcus Preto em 6 de dezembro de 2023.
Aproveitando vinda de Arantes ao Brasil (o artista paulistano reside na Espanha desde o fim de 2019), Preto juntou Alaíde e Arantes no estúdio Arsis, na cidade de São Paulo (SP), e pediu a Adonias Junior para captar o encontro de um piano – de toque inspirado tanto pelos compositores eruditos como pelo rock progressivo e pelo pianista e compositor irlandês Gilbert O'Sullivan – com uma voz suave e vocacionada para amplificar melancolias existenciais.
Sob prisma poético, a letra de Meu mundo e nada mais – canção caracterizada por Arantes como “um manifesto da minha revolução pessoal” – se afina com o canto de Alaíde por retratar jovem triste, ferido, mudando a percepção colorida da vida à medida que vê o mundo mudar e as “verdades” pulverizadas d transformadas em restos de certezas.
Como a letra omite a idade do eu-lírico da canção, Meu mundo e nada mais soa na voz maturada de Alaíde Costa – cantora de 88 anos – como a reflexão de alguém que, na fase outonal, se desencanta com o mundo em eterna mutação.
Resultado de apenas três takes de estúdio, o single Meu mundo e nada mais também simboliza a retomada da conexão de Alaíde Costa com Guilherme Arantes dois anos após a cantora ter lançado álbum, O que meus calos dizem sobre mim (2021), com música inédita do compositor, Berceuse, acalanto feito por Arantes com inspiração em tema francês do compositor Gabriel Fauré (1845 – 1924) com versos do poeta Paul Verlaine (1844 – 1896).
O mundo de Guilherme Arantes é tão grandioso que, nele, cabe uma cantora da imensidão de Alaíde Costa. Só que Alaíde Costa entra no mundo melancólico de Guilherme Arantes sem se render ao pop.