Em rotação desde sexta-feira, 20 de outubro, o 14º álbum de estúdio de Ed Motta, Behind the tea chronicles, percorre com requinte a trilha pavimentada pelo artista nos últimos 20 anos.
Em 1997, quando Ed seguiu o manual de fazer música para festas e bailes em álbum de polimento pop feito para atender expectativas comerciais, o artista já habitava outra galáxia musical.
A partir dos anos 2000, o cantor, compositor, multi-instrumentista, arranjador e produtor musical carioca foi se tornando cada vez mais um ET no universo pop brasileiro ao apresentar discos cada vez mais complexos ao mesmo tempo em que começou a ser convidado a compor temas para trilhas de filmes e musicais de teatro, como o dark 7 (2007).
A saída musical foi o aeroporto. Ed Motta mora no Brasil, mas lança discos por selos europeus. Editado no Brasil através de parceria do selo do cantor, Dwitza, com a gravadora Virgin Music Brasil, mas gravado pelo selo alemão MPS Music, o álbum Behind the tea chronicles é o terceiro título em inglês da linha estrangeira aberta na discografia do artista há sete anos por Perpetual gateways (2016), álbum em que Ed cruzou de forma majestosa a ponte que liga o soul ao jazz.
Sucessor do álbum Criterion of the senses (2018), Behind the tea chronicles é álbum guiado pelo gosto do cantor por séries de TVs e filmes antigos. A introdução orquestral de Newsroom costumers – música que abre o disco com cordas e com letra que conta história de jornalista infiltrado na Máfia para se tornar escritor – já dá a pista da musicalidade sofisticada do álbum.
A máfia também figura na narrativa de Tolerance on high street, tem que poderia figurar em qualquer trilha de filme ou musical de teatro de atmosfera noir, exemplificando o crescente domínio Ed nessa área.
Ao longo de 45 minutos, Ed Motta apresenta onze temas autorais com narrativas independentes em que a música é o elo entre as letras cinematográficas, escritas como histórias – as tais crônicas do título do disco.
Antecedido pelos singles que apresentou o soul-funk Safely far, o intrincado tema Slumberland – ode aos quadrinhos surrealistas do cartunista norte-americano Winsor McCay (1869 – 1934) – e o elétrico samba-jazz Deluxe refuge, o álbum Behind the tea chronicles foi produzido e arranjado por Ed Motta sob exuberante direção musical do tecladista Michel Limma (piano acústico, Rhodes, órgão, cravo, sintetizadores, clavinete e pianet).
Para quem associa Ed Motta sobretudo ao funk, o cartão-de-visitas do disco deve ser Quartermass has told us, tema cujo título alude à série de ficção científica Quatermass (1979), exibida na TV britânica há 44 anos, mas cabe avisar que o funk dessa faixa caminha por trilho bem distinto do seguido pela Conexão Japeri, banda que revelou Ed Motta para o Brasil em 1988.
Mais surpreendentes para quem segue a linha evolutiva da discografia do cantor são Buddy longway – canção estradeira de clima western que dura um minuto e mais parece um interlúdio na narrativa do álbum Behind the tea chronicles – e Of good strain, valsa ao estilo Broadway, de trilha pavimentada pelas teclas de Michel Limma.
Entre Gaslighting Nancy, tema inspirado pelo filme norte-americano Gaslight (1944), e a etérea faixa Confrere’s exile, Ed Motta celebra no shuffle blues Shot in the park a influência da banda norte-americana da década de 1970 Steely Dan, uma das referências recorrentes na discografia do artista.
Enfim, para quem segue o manual pop e cada vez mais ralo da música para festas e baladas, o álbum Behind the tea chronicles vai descer mal, porque o disco habita outra galáxia do universo pop, a mesma que abriga Ed Motta, ET na música do Brasil.