Compositor de obra que se constituiu um dos pilares mais sólidos do samba do Rio de Janeiro, autor do hino dos pagodes Coisa de pele (Jorge Aragão e Acyr Marques, 1986), Aragão foi revelado na voz de Elza Soares (1930 – 2022) – intérprete original de Malandro (Jorge Aragão e Jotabê), samba composto em 1967 e lançado em 1976 – e, na sequência, foi um dos fundadores do grupo Fundo de Quintal, fato que contou com orgulho à plateia antes de cantar Do fundo do nosso quintal (Jorge Aragão e Alberto de Souza, 1987).
Só que Aragão demorou a acontecer como cantor na carreira solo iniciada em 1981. Ao cantar a balada soul Na rua, na chuva, na fazenda (Hyldon, 1973) em ritmo de samba, Aragão relembrou a época em que fazia show de voz e violão na noite carioca para “ganhar meu dinheirinho”.
Foi somente na segunda metade da década de 1990 que Aragão se tornou um artista capaz de lotar casas de shows, abrindo caminho para que Arlindo Cruz – outra cria do Fundo de Quintal – seguisse o mesmo percurso anos mais tarde.
A rigor, o show feito ontem por Aragão na casa Vivo Rio nada teve de especial. Foi apresentação comum sem o gancho de estreia de turnê ou lançamento de disco. Calcados em violões e percussões, os arranjos tampouco deram um colorido especial ao show. Mas a casa estava cheia porque o público sabia que ia ouvir uma sequência de sambas aliciantes.
Aragão até brincou com a plateia, ao entrar no palco após uma abertura da banda com Do seu lado (Nando Reis, 2003), e disse que iria apresentar músicas inéditas. Pegadinha. O cantor logo enfileirou sambas, como Eu e você sempre (Jorge Aragão e Flávio Cardoso, 2000) e Lucidez (Jorge Aragão e Cleber Augusto, 1991), que todo mundo cantou de cor.
Ficou visível, nos olhos e na expressão feliz do artista, o quanto Aragão estava orgulhoso da adesão popular a um cancioneiro marcado pela força melódica do Poeta do samba, um dos epítetos do compositor, parceiro de Dona Ivona Lara (1922 – 2018) em Tendência (1981), uma das joias do roteiro.
Para quem por acaso ainda não soubesse, o show deixou claro que Aragão é bamba tanto no partido alto – representado por Não sou mais disso (1996), parceria com Zeca Pagodinho – quanto nos sambas mais dolentes, casos de Papel de pão (1990), tema da lavra de Cristiano Fagundes que soou como fosse de Aragão desde que o cantor o apresentou no álbum A seu favor (1990).
Papel de pão foi revivido com Aragão sentado em cadeira no bloco que também incluiu Feitio de paixão (Paulo Onça e Paulinho Carvalho, 1988), outro tema de lavra alheia que parece dele.
Um samba de Aragão que muitos desconhecem ser dele é o folião Tema da Globeleza, feito pelo artista em parceria com José Franco Lettari (1952 – 2007) para a cobertura do Carnaval de 1991 pela TV Globo e desde então presente nas transmissões da emissora.
O tema da Globoleza apareceu no roteiro mais para o fim do show, em bloco animado com outros sambas foliões, como Vou festejar (Jorge Aragão, Dida e Neoci, 1978) e Coisinha do pai (Jorge Aragão, Almir Guineto e Luiz Carlos Chuchu, 1979), ambos lançados na voz referencial de Beth Carvalho (1946 – 2019), intérprete que abriu portas para Aragão antes de o cantor sedimentar a carreira solo.
Foi fato que o samba mais recente de Aragão, Grande duelo final – A saga (2022), surtiu efeito moderado na plateia, sem tirar a força do show.
Rebobinada em cena com voz compatível com os 74 anos do artista, a obra de Jorge Aragão se impôs soberana no palco do Vivo Rio. Sem inventar moda, o vovô fez show de respeito.