A carioca Elizabeth Villas Boas Bravo (27 de maio de 1951 – 4 de outubro de 2021) foi muito mais do que uma garota que amou os Beatles, em especial John Lennon (1940 – 1980). Até porque ela foi a única garota brasileira que gravou com os Beatles, em proeza realizada aos 17 anos.
No dia desse feito histórico, 4 de fevereiro de 1968, Elizabeth já era Lizzie – nome que adotara em 1965 ao ouvir Lennon cantar Dizzy, Miss Lizzy (Larry Williams, 1958) no quinto álbum dos Beatles, Help! (1965) – e estava há quase um ano em Londres, onde chegara em 17 de fevereiro de 1967.
Foram tantos dias à porta do estúdio Abbey Road que, naquele mítico dia 4, domingo de frio em Londres, Lizzie estava dentro do prédio que abrigava o estúdio ao lado de outras poucas beatlemaníacas, quando Paul McCartney perguntou se alguma delas sustentava nota aguda.
Lizzie sustentava a tal nota e foi assim que, juntamente com amiga inglesa, fez um dos vocais que encorparam a gravação de Across the universe (John Lennon e Paul McCartney, 1968), música inicialmente arquivada pelos Beatles que somente ganhou o mundo quase dois anos após o registro original ao ser apresentada no álbum coletivo beneficente No one's gonna change our world, editado em dezembro de 1969.
Lizzie cantou com John, com Paul e se eternizou na história da música pop pela aventura narrada em detalhes no livro Do Rio a Abbey Road (2015), esgotado em 2017 e com ampliada segunda edição programada para este ano de 2021, além de ainda inédita edição em inglês.
Só que essa edição em inglês será lançada sem a presença física da autora. Lizzie Bravo atravessou o universo na noite de ontem, 4 de outubro. Morreu em casa, aos 70 anos, vítima de problemas cardíacos, dos quais se recuperava após internação em hospital da cidade natal do Rio de Janeiro (RJ). A morte de Lizzie foi confirmada pela filha, Marya Bravo, em rede social.
Lizzie Bravo em Londres, cidade onde gravou com os Beatles em 4 de fevereiro de 1968 — Foto: Acervo pessoal Lizzie Bravo
Cantora e fotógrafa, Lizzie Bravo teve a glória de gravar com os Beatles, mas é justo dimensionar corretamente a atuação da artista na música brasileira no momento em que Lizzie sai de cena.
Vocalista requisitada para os estúdios de gravação, Lizzie Bravo tem a voz perpetuada em discos da nata da MPB. Alceu Valença, Alcione, Caetano Veloso, Djavan, Egberto Gismonti, Elba Ramalho, Ivan Lins, Joyce Moreno (de quem era amiga e comadre), Maria Bethânia, Maria Creuza, Milton Nascimento, Roberto Carlos e Zé Ramalho são alguns entre inumeráveis cantores que fizeram discos com o vocal de Lizzie Bravo.
Casada de 1970 a 1972 com o cantor e compositor Zé Rodrix (1947 – 2009), com quem teve uma filha, a também cantora Marya Bravo, Lizzie foi a “esperança de óculos” poetizada na letra da canção hippie Casa no campo (Tavito e Zé Rodrix, 1971).
Como fotógrafa, Lizzie registrou parte da história da MPB em imagens que foram parar nas contracapas e encartes de álbuns de Joyce Moreno e Tavito (1948 – 2019).
Ao atravessar o universo, Lizzie Bravo deixa saudades em quem conviveu com a eterna garota que nunca deixou de amar os Beatles.