♪ ANÁLISE – Ainda que venha perdendo seguidores e admiradores nos últimos tempos por conta de controversas tomadas de posições, sobretudo em relação à pandemia de covid-19, Elba Maria Nunes Ramalho chega hoje aos 70 anos como uma leoa paraibana aplaudida pela valentia com que desde os anos 1970 doma os preconceitos contra os nordestinos.
Nascida em 17 de agosto de 1951 em Conceição (PB), município paraibano entranhado no Vale do Piancó, Elba Ramalho construiu discografia arretada.
Apresentada ao público carioca em 1974 pelo cinquentenário Quinteto Violado, a cantora se firmou sob o sol da cidade do Rio de Janeiro (RJ) a partir da segunda metade da década de 1970. Após alguns trabalhos como atriz de teatro, a artista se lançou como cantora com o álbum Ave de prata (1979), primeiro título de trilogia audaz continuada com os discos Capim do vale (1980) e Elba (1981).
Esses três álbuns são retratos perenes da voz rascante da intérprete. Voz que por vezes soou até estridente, mas que marcou de cara o território de Elba Ramalho na música brasileira.
A partir de 1981, ano em que projetou em escala nacional o xote Bate coração (Cecéu, 1980), lançado no ano anterior pela antecessora Marinês (1935 – 2007) em registro fonográfico irradiado somente pelo nordeste do Brasil, a leoa se deixou domesticar pela indústria do disco e aderiu ao tecnopop formatado em estúdio pelo mago dos teclados Lincoln Olivetti (1954 – 2015).
Sem perder a pegada forrozeira, lustrada por esse verniz tecnopop típico dos anos 1980, Elba amansou a voz e se tornou estrela radiante da música brasileira com as edições de álbuns festivos como Alegria (1982), Coração brasileiro (1983) e Do jeito que a gente gosta (1984).
Por muitos anos a única janela aberta para as obras de compositores nordestinos ainda desconhecidos como Lenine, a discografia de Elba Ramalho alterna desde os anos 1980 álbuns mais arrojados – como Fogo na mistura (1985) e Remexer (1986) – com títulos mais acomodados, casos de Elba (1987) e Fruto (1988).
Seja em discos valentes ou em álbuns mais intimidados pelas pressões da indústria fonográfica, a cantora se firmou como uma voz popular e brasileira, como a própria Elba enfatizou ao batizar o último álbum lançado na áurea década de 1980, Popular brasileira (1989), com o nome de música de Moraes Moreira (1947 – 2020) e Fred Góes.
Se os discos resultaram mais ou menos arrojados, a leoa sempre mostrou força no palco. Foi em cena – emoldurada pela teatralidade antológica de shows como Coração brasileiro (1983), Popular brasileira (1989, este parcialmente eternizado no álbum Elba ao vivo, de 1990), Leão do Norte (espetáculo antológico de 1996) e Baioque (grande show de 1997 que merecia ter alcançado mais projeção) – que a luz de Elba Ramalho se acendeu com mais força, com energia descomunal, pondo a intérprete em pé de igualdade com as grandes cantoras da MPB.
Em que pesem bons discos como Felicidade urgente (1991) e Encanto (1992), pareceu no início dos anos 1990 que a luz de Elba irradiaria menos brilho a partir daquela década. Álbuns como Devora-me (1993, tentativa de conexão com o universo musical da América Latina) e Paisagem (álbum confuso de 1995) flagraram a cantora seguindo fórmulas mercadológicas de efeitos moderados.
Mas eis que o álbum e show Leão do Norte – feitos no mesmo ano de 1996 em que Elba se juntou com Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Zé Ramalho no primeiro dos quatro shows d'O grande encontro, projeto que arrasta multidões pelo Brasil – fizeram a leoa reencontrar um norte, seguido nos discos Baioque (1997) e Flor da Paraíba (1998).
A partir dos anos 2000, Elba se escorou em discos ao vivo e em tributos infalíveis a Luiz Gonzaga (1912 – 1989) e a Dominguinhos (1941 – 2013), até ser jogada para a margem do mercado fonográfico.
Tem sido à margem que a leoa, sempre valente, vem lançando álbuns em geral relevantes, com destaques para os estupendos Qual o assunto que mais lhe interessa? (2007), Do meu olhar pra fora (2015) e O ouro do pó da estrada (2018).
Enfim, aos 70 anos, Elba Ramalho é a voz de uma pessoa vitoriosa que, tendo driblado estigmas e tendo feito eventuais concessões ao mercado, se impôs como cantora orgulhosa da origem paraibana, com raízes fincadas na música da nação nordestina e antenas ligadas para captar os sinais e os sons de todo o Brasil.