Nenhuma Dor", título do disco que Gal Costa lança nesta sexta (12), é o nome de uma música de Caetano Veloso com um poema de Torquato Neto (e gravado por Gal no disco "Domingo"). É também um desejo da cantora em um período de pandemia com tantas mortes, privações e isolamentos.
A ideia de revisitar clássicos de seu repertório e convidar dez artistas para as novas versões surgiu em 2020, ano em que a baiana completou 75 anos.
"As pessoas sentem muita saudade do tempo em que eram felizes, um tempo onde não havia pandemia. Elas têm se ligado muito nas músicas dessa época", explica Gal ao G1.
"Hoje, a gente vive um tempo muito pesado, muito difícil por conta da pandemia e tantas outras coisas. Estamos falando dessa memória afetiva."
Rubel, Tim Bernardes, Zeca Veloso, Zé Ibarra, Silva, Seu Jorge, Rodrigo Amarante, Criolo, Jorge Drexler e António Zambujo são os convidados para o projeto, que tem direção geral de Marcus Preto.
Gal justifica a escolha por duetos com vozes masculinas com dois argumentos: a clara e sempre citada influência de João Gilberto em sua forma de cantar e o fato de ela se ver como referência para esses nomes da nova geração.
"Admiro o jeito que eles cantam e, principalmente, fico fascinada com a ideia de eles terem uma influência do meu canto, o meu canto estar ali presente na obra que eles fazem. Isso me seduziu muito", diz.
"Com mulher , não acho graça. Não teria pique para fazer gravações assim, acho que com esses rapazes, que têm influência também no meu trabalho, faz todo sentido".
Gravações remotas e convidados produtores
Por conta da quarentena e por ser um disco cheio de participações, as gravações foram feitas no Brasil, Estados Unidos, Espanha e Portugal.
Amarante mandou sua contribuição em "Avarandado" de Los Angeles. O uruguaio Jorge Drexler gravou "Negro Amor" em Madri. António Zambujo participou em "Pois é" de Lisboa.
"Foi um trabalho muito prazeroso feito a várias mãos, com a contribuição dos convidados. Eles que fizeram os arranjos das versões, então foi muito rico e muito democrático", conta.
A estrutura à distância que permitiu a gravação de vários discos na pandemia - não só o de Gal - não surpreende a cantora.
"A gente foi vendo o crescimento da tecnologia e pensava: 'Ah, no futuro...' Só que ele está aqui. A gente está fazendo dessa maneira remota e tem sido muito produtivo. Trabalhar em um momento como esse é uma benção".
Tim Bernardes e Rubel estão entre os convidados de Gal Costa no disco 'Nenhuma Dor' — Foto: Carol Siqueira/Divulgação
Das 10 canções que foram lançadas em duplas desde novembro, sete são composições de Caetano Veloso, e três saíram diretamente de "Domingo", importante disco no qual Gal cantou com Veloso em 1967, no começo de sua carreira. São elas: "Avarandado", "Nenhuma Dor" e "Coração Vagabundo".
Apesar das duas primeiras músicas citadas serem escolhas menos óbvias, o disco retoma clássicos como "Baby" com Tim Bernardes, "Meu Bem, Meu Mal" com Zé Ibarra, e "Só Louco" com Silva.
"A preocupação era fazer um trabalho que não estivesse abaixo, estivesse em uma grandeza igual ou até maior com o que já foi feito com essas músicas", afirma Gal, satisfeita com o resultado final.
Live e volta aos palcos
Gal Costa na live 'Gal 75' — Foto: Reprodução
Assim como Caetano e Gilberto Gil, Gal aderiu à era das lives e comemorou o aniversário no ano passado com uma transmissão direta de São Paulo, em setembro.
A apresentação teve problemas técnicos e foi muito criticada nas redes sociais. A cantora não parecia estar à vontade, mas, mesmo assim, diz que aprovou o formato.
"É claro que não é o formato que a gente quer. A gente quer cantar com o público, com o calor das pessoas, mas eu gostei de fazer a live", afirma.
A volta aos palcos tem data marcada para setembro, no Coala Festival, em São Paulo. Gal ainda não definiu os músicos nem o repertório porque "ainda tem tempo" e vê que a viabilidade do show depende de uma condição:
"Se a vacinação correr de maneira rápida, acho que é possível que sim. Se não, acho difícil né?", diz.
Gal Costa posa para o lançamento do disco 'Nenhuma Dor' — Foto: Carol Siqueira/Divulgação
Ela defende que as pessoas se vacinem e continuem se cuidando até a pandemia ficar controlada. "Essa tem sido a minha preocupação e deveria ser a preocupação de todos: procurar respeitar a ciência e se vacinar, o oposto do que o governo vem fazendo ultimamente".
Gal também critica o governo ao falar sobre os recursos e as iniciativas para atender o setor do entretenimento, que amarga quase um ano sem grandes shows e festivais."Esse governo trata a cultura muito mal, uma ignorância sem par. A arte é principalmente alento para as pessoas, informação, alegria, conforto. Tanta coisa importante que a arte leva para as pessoas e esse governo simplesmente não dá a menor importância", finaliza.