Resenha de documentário musical
Título: Cafi – Salve o prazer
Direção: Lírio Ferreira e Natara Ney
Roteiro: Lírio Ferreira
Realização: Luni Filmes
Cotação: * * * *
♪ Filme com exibição programada para 28 de setembro pelo Canal Curta!
♪ Por mais de uma vez, Cafi cantarola o samba Alegria (Assis Valente, 1937) enquanto se encontra com algum amigo para papo captado pelas lentes afetuosas dos cineastas Lírio Ferreira e Natara Ney.
É legítimo que verso da letra desse samba, lançado em 1937 na voz do cantor Orlando Silva (1915 – 1978), esteja reproduzido no título do documentário Cafi – Salve o prazer, filme inédito que tem estreia programada pelo Canal Curta! para 28 de setembro.
Autor do roteiro, Lírio Ferreira documenta o prazer cotidiano que pautou a vida do fotógrafo e artista plástico pernambucano Carlos da Silva Assunção Filho (20 de fevereiro de 1950 – 1º de janeiro de 2019). “Eu literalmente me apaixono todo dia”, enfatiza Cafi.
Como fotógrafo, Cafi foi celebrizado por ter criado as imagens de mais de 300 capas de discos, muitas delas icônicas, como as capas do álbum duplo Clube da Esquina (1972) e a do primeiro LP solo de Lô Borges, lançado no mesmo ano de 1972 e popularmente conhecido como “o disco do tênis” justamente pela foto da capa.
No filme, Cafi conta a gênese dessas capas e revê amigos como o conterrâneo Alceu Valença, com quem confabula sobre os mistérios e magias de Olinda (PE), cidade de Pernambuco, estado natal cuja cultura permaneceu impressa na alma de Cafi por toda a vida, saboreada desde julho de 1962 no Rio de Janeiro (RJ), para onde viajou chorando, com saudades antecipadas de Pernambuco, como revela no documentário.
O roteiro de Lírio Ferreira parte justamente das impressões pernambucanas de Cafi, precisamente com o prazer do fotógrafo de captar imagens do maracatu, musical manifestação folclórica da Zona da Mata Pernambucana. Imagens que, das primeiras vezes, saíram pretas e somente ganharam cores vivas e reais quando mãe de santo abriu na Bahia os caminhos de Cafi no maracatu de Pernambuco.
Iniciada em 1970 com a criação da capa de É a maior!, álbum decisivo na carreira da cantora Marlene (1922 – 2014), a trajetória de Cafi no mercado fonográfico foi até 2019, ano da edição do último álbum de Jards Macalé, Besta fera (2019), lançado em fevereiro do ano passado, um mês após a morte de Cafi, vítima de infarto.
A propósito, Macalé é um dos amigos que Cafi reencontra na rota traçada por Lírio Ferreira para perfilar o fotógrafo no documentário, cujo roteiro é conduzido por depoimentos dados por Cafi para o filme. Com Macalé, Cafi saúda o prazer da vida e da amizade. “Você é um menino”, diz enternecida, em outro encontro, Deborah Colker para Cafi, ex-marido da coreógrafa.
Entre esses encontros celebrativos da vida, Cafi rememora com indisfarçável orgulho a proeza de ter criado tantas emblemáticas capas de discos. Somente para Milton Nascimento, o fotógrafo contabiliza 18 capas. “Com 31 cm por 31cm, a capa de disco sempre foi um espaço generoso (para a criação). Você vende sensibilidade”, frisa Cafi.
De fato, o fotógrafo eternizou sensibilidades em imagens de álbuns de Alaíde Costa, Alceu Valença, Francis Hime, Geraldo Azevedo, Gonzaguinha (1945 – 1991) e Jards Macalé, entre muitos outros nomes. Só que nem sempre os gestores das companhias de disco captam a sensibilidade do artista.
Cafi conta que o diretor de produção da gravadora Odeon nos anos 1970, Milton Miranda, se assustou com a imagem dos dois meninos na capa do álbum Clube da Esquina – exposta sem palavras e sem qualquer menção ao título do disco e aos nomes de Milton Nascimento e Lô Borges – e exigiu que a contracapa do LP destacasse os nomes dos cantores. Ordem acatada. Só que, diante do apelo da imagem, os lojistas logo optaram por exibir a capa – e não a contracapa, como tinham sido instruídos pelos vendedores da gravadora. A sensibilidade venceu e vendeu.
No encontro descontraído com os irmãos Lô Borges e Marcio Borges, é revelado que o par surrado de tênis de Lô somente foi para a capa do álbum Lô Borges (1972) porque o cantor sentenciara que não queria a própria cara no primeiro disco solo. “Se não quer fotografar a cara, põe o pé”, teria dito Marcio. “Então fotografa o tênis”, teria concordado Lô, tentando acabar com o impasse. E assim foi feito para a gloria de Cafi.
No fim do documentário, realizado pela Luni Filmes, Cafi admite a solidão do ofício. “O fotógrafo sempre foi muito só”, conclui, feliz por ter tido o prazer de fazer capas de discos juntamente com amigos. E amigos, como discos, são eternos como a obra de Cafi.